Sêneca, Buddha e o que eu deveria ter falado naquele dia
Aquela reunião importante onde começa uma discussão e alguém faz uma pergunta que ninguém responde, aquele questionamento matador que pega todo mundo despreparado. Algumas horas ou dias depois você pensa na resposta e começa a reproduzir a cena com um pensamento “Eu podia ter falado isso”. E essa cena se repete várias vezes na sua cabeça.
Ou aquela lembrança da juventude onde você devia ter falado algo mais objetivo ou tomado uma ação com aquela pessoa que estava afim, mas na hora ficou somente o “silêncio desconfortável”. E você lembra disso até hoje e se acha bobo por não ter falado nada.
No final são todas lembranças eternas de coisas que poderiam ter acontecido, mas nunca aconteceram. Ficam nas nossas cabeças por anos numa montanha de pensamentos que só cresce. Até o dia que isso vira muito improdutivo.
Por muito tempo ficava remoendo esses pensamentos e procurei ler alguns livros atrás de respostas. Comecei a parar aos poucos com esse sofrimento. E se você também passa por isso, quero compartilhar algumas lições aprendidas.
Ansidade improdutiva e o pior conselho para um ansioso
Esse comportamento é claramente indício de ansiedade. Mas ansiedade ocorre em um espectro gigantesco e não pretendo falar de todos os níveis de ansiedade.
O que quero é ajudar nesse pequeno nível de ruminação de pensamentos, que acaba tirando um tempo precioso de muitas pessoas (Sim, você não está sozinho). O que estou chamando de ansiedade improdutiva.
Em “Cartas de um estoico”, o grande filósofo Sêneca aborda essa nossa improdutividade de forma direta:
“Sofremos mais na nossa imaginação do que com a nossa realidade”.
Segundo os ensinamentos estóicos, devemos nos preocupar com as coisas que temos controle e o único momento que temos controle é o tempo presente. Não conseguiremos mudar o passado e não adianta antecipar o futuro (esse é outro ponto da ansiedade, o medo do futuro, que fica para outro post). Vamos focar no passado.
Ficar repensando infinitas vezes o passado é totalmente improdutivo, pois estamos apenas sofrendo com a nossa imaginação.
Mas sendo uma pessoa ansiosa sei que o pior conselho para uma pessoa ansiosa é “Deixe de ser ansiosa!”. Então, essa abordagem de Sêneca não ajuda muito, apesar de ser extremamente verdadeira.
Então, comecei a ler muito sobre o Budismo. Apesar de ter coisas bem profundas e muitas até difíceis de incorporar (ler “Dropping ashes on the Buddha” é quase uma viagem psicodélica rs), existe o conceito que é a base do Mindfulness que é “Awareness”.
Precisamos inventar uma tradução para "Awareness"
Awareness é uma das palavras mais poderosas para mim ultimamente e que não tem uma tradução muito boa para o português. Às vezes é traduzida como “Conhecimento”, outras como “Consciência”.
Na tradução da Cambrigde é “Ter conhecimento que algo existe ou entender a situação ou o tema no tempo presente baseado em informações ou experiência.”
Essa parte “no tempo presente” que falta na tradução para o português. Conhecimento e consciência não necessariamente acontecem no AGORA.
E o agora é que importa quando falamos de ansiedade.
Em “Mindfulness: A Practical Guide to Awakening”, o autor Joseph Goldstein fala de 4 tipos de mindfulness: do corpo, dos sentimentos, da mente e das experiências. Isso significa conseguir identificar quando alguma alteração ocorre nesses 4 lugares, estar “awareness” de tudo.
O primeiro passo para mudar é conseguir identificar no momento presente quando algo está acontecendo. Isso é muito louco e eficiente (após alguns treinos).
Preste atenção. Não estou falando para você parar de remoer esses pensamentos. Eles são inevitáveis.
Você sabe que a pior coisa que uma pessoa ansiosa pode fazer é tentar suprir a ansiedade. Tentar pensar que não está ansioso é a melhor forma de aumentar o efeito da ansiedade.
O que estou falando é para ter consciência de quando esse pensamento aparecer.
Prestar atenção no momento que ele aparece, quais são os sinais corporais que ele induz? Contração muscular, mãos frias? Quais são os sentimentos? Arrependimento, culpa? O que geralmente induz esse pensamento? Toda vez que você se sente burro, quando precisa organizar uma nova reunião?
Altere o foco e Let it go!
Esteja ciente desses efeitos. Sem julgamento. Sem reação. E, de novo, isso é muito louco! É conseguir falar para você mesmo “Está acontecendo! Lá vem a lembrança eterna.”
Somente com isso, o efeito do pensamento será menor. Isso acontece porque a parte do cérebro responsável pela consciência é a que silencia a ansiedade. Toda a ansiedade vem de quem? Do cérebro primata, claro! (já falei para você ler “CANSEI!”?).
Num segundo passo vem a capacidade de conseguir desligar o pensamento e aqui entra treino. O maior treino para isso é a meditação. E, agora, você vai entender porque meditação é o melhor remédio para pessoas ansiosas (ao contrário do que a maioria das pessoas ansiosas pensam).
A meditação não faz você esquecer o pensamento, ela te treina para ter consciência do pensamento e das alterações no corpo e na mente que o pensamento produz. Então, você simplesmente tira o foco e força o seu cérebro a desligar as reações.
Foca em outra coisa, na respiração, em outras reações do corpo, no canto dos pássaros. Qualquer coisa que não seja pensar na lembrança eterna irá te ajudar a esquecê-la.
Com o tempo e com a prática, esse movimento será quase automático. Quase porque você não vai parar de pensar.
A lembrança continuará vindo, mas você sabe quando ela vem e quais as reações que ela produz. Agora você consegue fazer com que ela venha e vá embora de forma mais rápida.
Como diria qualquer criança viciada em Frozen você simplesmente “Let it go!”.
Vença essa batalha
Por muito tempo eu fiquei preso nesses pensamentos. É uma grande quantidade de tempo que passamos nos punindo por coisas que nunca irão acontecer de novo. Ultimamente, eles são extremamente raros.
Você pode continuar nessa espiral improdutiva.
Ou pode começar a ser mais intencional e produtivo, começando com a simples (mas não tão fácil) ação de ser mais “awareness” sobre as suas lembranças.
Ansiedade é um monstro com várias cabeças. Não tente matá-lo de uma vez. Aprenda a conviver com ele. Aprenda a silenciá-lo aos poucos.
Comece ajustando pequenas coisas, pois a batalha será mais fácil. Um passo de cada vez.
Comece diminuindo a ansiedade improdutiva, a ruminação de pensamentos passados, as lembranças eternas de situações que nunca aconteceram.
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